A Usurpadora


“Leve tudo que é dele e saia do meu caminho”, assim se expressou aquela mulher sofrida, cheia de  mágoas e lembranças, para quem o egoísmo do ser humano fez mal.
Joaninha, a primeira filha de um casal de classe média, alegre, trabalhadora, bonita e um pouco teimosa, envolvera-se com um homem casado.

Naquele tempo não havia divórcio e a sociedade era muito rígida e exigente.

A teimosia daquela moça lhe custou muito caro. Foram anos de muitas lágrimas e tristeza.

O seu erro não teve volta. Assumiu a culpa e contentou-se com monólogo porque não tinha um ombro amigo para recostar a cabeça.

Francisco, moço elegante, loiro, cabelos lisos e finos, “um gato”. Mudou-se do Maranhão para Goiás deixando para trás um passado que julgava extinto. Engravidou uma prima e o seu tio exigia um casamento urgente para que a honra da família fosse lavada e a filha não tivesse o nome de mãe solteira.

O jovem não amava a prima e a queria apenas para  uma aventura, e revoltou-se com a atitude do tio e lhe fez a seguinte proposta:  - Tio, se o senhor consentir no casamento para daqui há um mês, casarei e farei tudo para vivermos felizes. Se não consentir, depois do casamento a prima entrará por uma porta e eu sairei pela outra.

O tio escolheu a segunda proposta e logo depois do casamento o sobrinho passou em casa, arrumou a mala, despediu-se dos seus familiares, pegou um barco e remando pela margem direita do rio Tocantins, sem destino, chegou em uma cidade na qual encontrou a menina dos seus sonhos.

Depois de alguns dias frequentando lugares e travando conhecimentos informou-se da vida de uma garota que passava todos os dias para um curso de corte e costura. Bem informado, procurou conhecer e fazer amizade com os irmãos de Joaninha... Seu objetivo era aproximar-se da moça pela qual se interessara.
O pai apesar de bondoso era cheio de preconceitos e não abria mão da moral e dos bons costumes. A principio não quis aceitar a amizade do desconhecido, mudando de ideia quando descobriu o quanto era educado.

Em pouco tempo toda a família morria de amores pelo Chico Pinheiro que era como chamavam o moço aventureiro. Estavam juntos em passeios, jogos de cartas, piqueniques e bailes. Enquanto isso, Francisco e Joaninha começaram a namorar às escondidas e cada dia sentiam-se mais atraídos um pelo outro. Chegou a um ponto que os pais não controlavam mais a filha que não atendia aos seus apelos.

Um belo dia quando o vento soprava para o sul, a chuva era fina e a escuridão total, Joaninha deixou a sua família, saltando a cerca do quintal, fugindo com Francisco, esperando encontrar ao lado do amado toda a felicidade do mundo. Enganara-se a pobre moça e seus sonhos de adolescente nunca se concretizaram.
Os pais choraram muitos dias mais deixaram que a filha seguisse o seu caminho.

Depois de combinarem, os noivos decidiram que era a hora da realização do casamento. Foram muitos os impedimentos, entre eles, o noivo ser casado, Joaninha chorava dia e noite porque queria se casar e ser chamada de esposa.

A mãe de Francisco preocupada com a aflição da futura nora pensou muito e encontrou uma solução; Encabeçou um abaixo-assinado no qual muitas pessoas assinaram atestando a solteirice do noivo. Deu resultado, mas sem amparo legal, pois o noivo já era casado.

Com o passar do tempo, as decepções foram chegando uma de cada vez ou muitas ao mesmo tempo.
A jovem já não era mais tratada com carinho de antes e a alegria esvaia-se como em uma miragem. Trabalhou sem parar dia e noite, aquela jovem era incansável nos afazeres domésticos, costurando para um batalhão da polícia Militar e para outras pessoas da comunidade. Para completar a dose, acompanhava o marido para todos os garimpos. Ele tinha sede de ficar rico com ouro, cristal ou pedras preciosas.

Joaninha já não era mais aquela garota tão feliz de outros tempos. O marido transformou-se num carrasco: preguiçoso, egoísta, ciumento, fazia questão de mostrar que a esposa se vestia diferente das outras mulheres, com uns vestidos cobrindo os tornozelos que só podiam ser vistos por ele, que era o dono.
Chegaram a ter casa, fazenda com muitas cabeças de gado, certo conforto.

Francisco gostava de folgas o dia inteiro, com ele era: “sombra e água fresca”.
Gostava de ter uma boa vida  nem que para isso tivesse que sacrificar alguém. Passava quase todo dia deitado em uma rede atada na varanda, pedindo à esposa que trouxesse tudo o que precisava para alimentar a sua preguiça.

A família do marido composta da mãe e dois irmãos passaram a fazer parte da vida do casal e assim os trabalhos da jovem esposa foram redobrados.

Não tiveram filhos e a ex-esposa aproximava-se cada vez mais, mudou-se para uma cidade próxima, sempre procurando saber notícias dos bens e da saúde do marido.
Certo dia, conversando com algumas pessoas ouviu algo que a agradou muito.

Francisco estava doente e acamado talvez não se levantasse mais. A esposa comemorou e apressou-se para fixar residência na mesma cidade que o ex-marido morava e no anonimato esperou.
Chico Pinheiro estava muito mal, tinha problemas renais e de coração. Sofreu muito e não resistiu. Numa madrugada fria e de muita chuva faleceu.
A farejadora compareceu ao velório, chorando, sorriu e logo depois do enterro voltou à caça, chamou a rival para um canto e exigiu dela tudo o que tinha direito. Já não era sem tempo, por mais de 20 anos esperava por aquele dia. Só assim seria vingada da desfeita e da vergonha imposta pelo primo. Na rua todos apontavam pra ela dizendo: Esta é a mulher que foi abandonada pelo marido com um filho na barriga, logo depois do casamento.

Joaninha não podendo esconder a raiva que sentia, e revoltada, fez questão de entregar para aquela mulher do chinelo do pé, a fazendo de gado.

Com aquela Usurpadora Joaninha viu sumir o fruto do seu trabalho de longos anos.

Revestiu-se de força e encarou o problema. Ficou triste e abalada, mas fez um pacto consigo mesma, tendo por testemunha o seu caráter e determinação. Daquela data em diante, ninguém mais a passaria para trás e em toda a sua vida não seria motivo de crítica e fofocas por se vestir diferente. Reformou seu guarda-roupa com vestidos iguais aos das mulheres do seu tempo e assim viveu até aos 93 anos quando sofreu um derrame cerebral e partiu para sempre.

                                                                                                                           Adalgisa Nolêto Perna

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